03
Março
Os homens das cavernas já eram publicitários.
A história do outdoor e da propaganda ao ar livre se perde na origem dos tempos. Por absoluta falta de condições tecnológicas (como imprimir um jornal ou montar uma emissora do rádio há alguns pares de séculos atrás?), o outdoor teve forças amente de ser primeiro meio publicitário utilizado pelo homem para divulgar seus produtos, seus serviços, suas ideias.
Na Mesopotâmia, por exemplo, os comerciantes de vinho anunciavam em axones, ou seja, pedras talhadas em relevo. Já os gregos gravavam suas mensagens em rolos de madeira denominadas cyrbes.
Na Roma Antiga, a propaganda já era mais próxima do nosso atual cartaz mural: retângulos divididos por tiras de metal eram instalados sobre muros e pintados de cores claras, onde qualquer interessado poderia escrever – com carvão – mensagens de venda, compra ou troca de mercadorias. Os próprios estandartes e bandeiras utilizados pelos romanos, em suas batalhas campais, podem ser comparados aos nossos “banners” de hoje. Nas ruínas de Pompéia foram encontrados, numa única rua, 23 quadros destinados à propaganda.
E folheando os livros de história vamos encontrar diversas referências às mais diferentes formas de se anunciar ao ar livre: as inscrições pré-históricas nas cavernas, os hieróglifos egípcios nas paredes dos templos e assim por diante.
Obviamente o cartaz, da forma que hoje o conhecemos, só passou a existir quando se tornou viável a impressão sobre papel. E assim que esta viabilidade se concretizou, a Igreja e o Estado passaram a utilizá-los sob a forma de monopólio. Ainda na Idade Média, o Estado divulgava seus feitos e a Igreja concedia indulgências através de sesus outdoors.
Os cartazes veiculavam as mais diversas mensagens: feiras, festas públicas, convocação de soldados para guerras e até esclarecimentos à população, por ocasião da grande peste que assolou a Europa.
De 1480 até 1820, o cartaz não era nada além de um texto tipográfico com uma vinheta, Em 1772, era tão grande a proliferação da propaganda que a profissão de colador foi regulamentada. Em 28 de julho de 1791, o governo francês determinou que a impressão em preto e branco fosse exclusiva para mensagens oficiais. E existe até uma lei – datada de 16 de maio de 1818 – que tornava obrigatória a selagem de cada cartaz colado sobre os muros de Paris, de forma semelhante a nossa atual legislação.
Com a invenção da litografia em 1793, pelo austríaco Alois Senefelder, o aperfeiçoamento da impressão dos cartazes passou a se desenvolver mais rapidamente, tornando-se inclusive objeto de interesse dos artistas plásticos da época. A história registra o pintor Jules Cheret como o autor do primeiro desenho litográfico em cores: Orphée aus Enfers, de 1858.
Arte e propaganda ao ar livre se uniram por iniciativa do próprio Cheret, que reuniu alguns colegas no projeto de transformar as ruas de Paris em verdadeiras galerias a céu aberto, onde o público tivesse um maior acesso à arte. Cartazes multicoloridos de vários artistas foram então fixados nas ruas parisienses.
Daí a estreita relação entre arte e propaganda, inclusive com o famoso pintor Toulouse- Lautrec trabalhando como ilustrador e “ diretor de arte” dos cartazes de divulgação dos espetáculos do Moulin Rouge.
O ano é 1929. Mais de uma década após o final da I Guerra Mundial, o Brasil e o mundo vivem um clima de euforia. Os centros urbanos crescem, a sociedade se moderniza, o Charleston escandaliza e a economia respira bem. O momento é propício para o investimento em novos negócios, mesmo porque nem o mais informado dos homens de finanças poderia prever a catastrófica quebra da Bolsa de Nova York, que iria acontecer em novembro do mesmo ano.
São Paulo inicia sua caminhada rumo à urbanização desenfreada. Carros e bondes são cada vez mais numerosos. É neste clima de desenvolvimento que, no mês de agosto, nasce à primeira empresa exibidora de outdoor do país, a Publix, em atividade até os dias de hoje.
Seus fundadores foram o italiano Amadeo Viggiani e Marta Paturan de Oliveira, provavelmente a única mulher publicitária daquele tempo. Na época, os outdoors eram pequenos, recortados de forma oval e afixados em postes.
Pouco depois, a ERA – Companhia Americana de Anúncios em Estradas de Rodagem – uma empresa de painéis -, abre uma subdivisão chamada Empresa Americana de Propaganda, destinada exclusivamente aos cartazes urbanos.
Cada nova companhia começava o desenvolvimento da profissão a seu jeito. Enquanto Viggiani colava cartazes sobre placas de ferro fundido, Antonio Barsaanti ( que fundaria a Pintex, em 1936, como sucessora da empresa Pinx) pintava luminosos em vidro e cristal, e “reclames” nas fachadas das lojas.
Naquele tempo, nem se falava em chapas galvanizadas, muito menos em plásticos e acrílicos. Quase tudo em artesanal. Os anúncios eram pintados a mão, o que propiciou o desenvolvimento de toda uma escola de letristas e ilustradores de cartazes. Nos galpões das empresas falava-se um pouco de cada língua, já que muitos destes profissionais vinham de várias regiões do mundo, trazendo sua arte a um país que estava apenas aprendendo o que era industrialização.
Cartazes de meia folga eram instalados nas plataformas e paradas de bonde, através da Companhia de Cartazes de Bonde. Posteriormente, começaram a surgir os quadros de duas e até quatro folhas, impressos em gráficas que estavam começando a se especializar em cartazes. Entre elas, destacavam-se a Andrade, na Ladeira São Francisco (São Paulo), a Empresa de Propaganda Época (São Paulo e Rio), a Izidoro Nanô e Filhos, a Gráfica Record e a Benazzato, na realidade, era o nome fantasia da Litografia Lidergraf, fundada em 1948 por Luiz Benazzato e Bronius Rakikas.
O público cada vez mais começava a travar contato com aquelas mensagens coloridas que anunciavam “Procópio Ferreira, o maior ator brasileiro, em espetáculos da mais rigorosa moralidade”. Ou o tradicional “Larga-me”!Deixa-me gritar! Xarope São João, contra tosse e bronquite produz alívio imediato” Foi inclusive o famoso Xarope São João um dos primeiros anunciantes a se utilizar do outdoor de quatro folhas, juntamente com uma numerosa gama de remédios variados.
A implantação dos cartazes de oito folhas gerou um grande impulso para o meio, e revelou para o outdoor importantes anunciantes multinacionais como a Rhodia, a Alpagartas(com seu produto Lona Sempre Viva) e a Sidney Ross, com os famosos Melhoral, Sonrisal e Sal de Frutas Andrews, este último lançado publicitariamente através do outdoor.
Como ainda não havia sido desenvolvido o sistema de gigantografia, os desenhos eram feitos a mão, diretamente na chapa de impressão, cor por cor, chapa por chapa, por desenhistas especializados conhecidos como decoradores. Neste período, alguns casos extremos se tornaram conhecidos, como o de um cartaz para a Firestone que necessitou nada menos que 116 matrizes desenhadas. Ou ainda um outdoor para a Caixa Econômica Federal que reproduzia o quadro da Proclamação da Independência, pintado por Pedro Américo. Neste caso, o decorador Salvador Arcaro teve de trabalhar 164 matrizes(o cartaz era de 16 folhas), o que demandou um mês de mão-de-obra.
O tamanho dos outdoors ia crescendo aos poucos, mas até meados da década de 50 ainda era possível ver nas grandes cidades os cartazes de quatro folhas.
Neste período romântico, a empresa Visibilidade, da cidade de Santos ( que posteriormente seria comprada pela Pintex), utilizava-se de equipes de coladores equipadas com bicicletas que tinham como acessório duas latas com 20 litros de cola cada uma. Os cartazes eram dobrados no bagageiro e as escadas ficavam por trás de cada cartaz, e nunca eram roubadas. O premiado filme italiano “Ladrão de Bicicletas” enfoca este tema.
Havia empresas particularmente caprichosas como o caso da Publix, por exemplo, cujas tabuletas eram um pouco maiores que o cartaz propriamente dito, afim de que, entre a moldura de madeira e a mensagem, pudesse ser formada uma outra moldura de papel branco colado.
Porém, como não havia critérios de padronização entre as empresas exibidoras, proliferavam os cartazes de 8,16,32 folhas( tanto verticais quanto horizontais) ou até de 64. Havia também cartazes de anunciantes multinacionais que já vinham prontos do exterior. Como uma dificuldade: pelos padrões estrangeiros, os cartazes eram impressos no formato de 24 folhas, e não havia no Brasil tabuleta para este padrão.
Assim, todos eles tinham de ser refilados manualmente pelas exibidoras nacionais, com o máximo de cuidado, e posteriormente colados nas tabuletas de 16 folhas, evidentemente sob as vistas grossas do anunciante.
O cartaz de 32 folhas nasce, em meados dos anos 60, graças ao tradicional jeitinho brasileiro. O formato quadrado das 16 folhas não estava agradando agências e anunciantes, pois dificultava a criação e o layout. Como seria praticamente inviável a retirada de todos os cartazes de 16 folhas e sua consequente substituição pelos 24 (padrão adotado em vários outros países), optou-se simplesmente pela colocação de uma nova tabuleta de 16 ao lado anteriores, nascendo assim o brasileiríssimo cartaz de 32 folhas.
Na área gráfica, o processo de gigantografia desenvolvido por Renato Nanô, causou uma verdadeira revolução no meio. O anunciante deste tipo de impressão foi a Nestlé, com o Leite Ninho, através da agência McCann-Erickson, e neste primeiro serviço o processo ainda era batizado como sistema foto plástico, nome que não vingou.
Através da gigantografia, finalmente as campanhas de outdoor poderiam utilizar os mesmo cromos dos anúncios de jornais ou revistas, dispensando os decoradores e facilitando muito a integração da campanha publicitária como um todo. O novo sistema só veio a se firmar com toda a qualidade necessária por volta de 1967, após uma longa fase de aperfeiçoamento. Mesmo assim, permitiu a elaboração de pequenos milagres, como foi o caso do curso-pré-vestibulares Anglo, de São Paulo, que exigia que seu outdoor, com a figura de um leão, fosse impresso a partir de um pequeno cromo de apenas 4 centímetros quadrados, vindo especialmente da África. Com muita técnica, os 4 centímetros se transformam num cartaz de 64 folhas, graças à gigantografia.
Contudo, se a impressão dos cartazes evoluía cada vez mais, a instalação de tabuletas era feita de maneira empírica e desorganizada. Praticamente a cada interesse do anunciante era desenvolvido um formato de tabuleta ou uma forma de colar diferente, o que acabou gerando uma crescente desorganização visual nos centros urbanos. Todo terreno que pudesse ser alugado se transformava em local para instalação de novas tabuletas, e com o desenvolvimento dos grandes centros, a preocupação passou a residir muito mais sobre a quantidade que sobre a qualidade das placas instaladas.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o outdoor teve célebres e famosos perseguidores, como Carlos Lacerda, Chagas Freitas e Marcos Tamoio, que praticamente pôs fim à atividade, no final dos anos 70. Tais perseguições, porém, eram baseadas apenas em fundamentos políticos, e nunca técnicos. Os poderes municipais prejudicavam abertamente a propaganda ao ar livre do modo geral, sem nunca se preocupar em convocar as partes interessadas para discutir parâmetros. Sob as bandeiras da “poluição visual”, ou das “melhores condições urbanas da população”, alguns governantes buscavam votos fáceis, mídia e popularidade atacando a publicidade ao ar livre.
Porém, quando o outdoor convinha ao poder público, ele logo era solicitado. Em 1968, a Prefeitura do Rio de Janeiro queria homenagear a estada no Brasil da Rainha da Inglaterra, Elizabeth II, e chegou à conclusão de que a melhor maneira de fazê-lo seria através do outdoor, já que a visitante certamente não tomaria contato com outros meios de comunicação, durante sua passagem por aqui. O prefeito então solicitou às exibidoras cariocas que instalassem tabuletas pelo roteiro que a rainha percorreria, de carro, do aeroporto até o hotel, para que a Prefeitura pudesse colar a sua mensagem. E naquela oportunidade o outdoor foi útil ao poder público.
Isso quando as tabuletas não eram utilizadas “estrategicamente” para encobrir favelas e outras “realidades sociais”.
A falta de critérios padronizados entre as exibidoras é compreensível também, quando se analisa a origem de cada uma das empresas atuantes no mercado. A Publix, como já foi citado, começou com cartazes ovais instalados em postes. A Pintex (fundada em janeiro de 1936) tem sua origem na fabricação de luminosos e painéis. A Klimes é originária da Propag (fundada em 1954), empresa que começou atuando no mercado de painéis rodoviário e urbanos.
A Novelli comprou a Karvas (que Carlos Vasques havia fundado em 1945) em março de 76, sendo que antes disso trabalhava mais com painéis e luminosos. A Espaço (1966) nasceu como uma extensão da gráfica Nanograf, enquanto a L & C iniciou suas atividades como representante comercial de veículos publicitários. Enquanto isso, nascia a Exibição e, com o decorrer do tempo, a Colagem, como segunda exibidora deste grupo. A Local, em 1969, já foi fundada com o objetivo específico de trabalhar com outdoor. A Adver foi resultante da compra da Alvo.
Fora do eixo Rio – São Paulo, há o exemplo da A. Linhares, de Salvador, fundada em 1931 por Adherbal Linhares, e que iniciou suas atividades implantando gradis para proteção de árvores. Nestes gradis, eram instalados pequenos painéis pintados ou colados com cartazetes publicitários. Posteriormente, a Linhares passou a comercializar pequenos módulos nas estações de bondes e nos próprios bondes.
É interessante ressaltar que, para comercializar cartazes nos abrigos de bondes, a Linhares literalmente construiu tais abrigos, participando de concorrência na Prefeitura de Salvador.
Além dos cartazes, a Linhares também iniciou a instalação de luminosos de néon sobre os telhados dos abrigos, uma chamativa novidade para aquele final de década de 30.
Cada uma destas empresas começou a crescer e a se desenvolver trabalhando com diferentes orientações e parâmetros. Havia um crescimento desordenado, resultante de um trabalho individual que acabou gerando uma concorrência negativa entre as empresas. As diferentes orientações passaram a confundir, por exemplo, as programações de compra, no mesmo momento em que as exibidoras atingiam um grau de profissionalismo que não mais permitia este tipo de desencontro.
O meio outdoor estava reunindo, assim, diversos empresários vindos de diversas atividades, cada qual com sua maneira própria de negociar, de instalar tabuletas e de administrar suas empresas. Tal desencontro de orientações começou a se refletir de maneira muito agressiva nas ruas e avenidas das grandes cidades, através de um número excessivo de tabuletas, que geravam uma manutenção precária e um visual confuso. O outdoor passou a ser alvo de críticas e os empresários começaram a sentir cada vez mais a necessidade de se reunirem em torno de uma mesma mesa para debaterem seus problemas e soluções.
Estava jogada a semente para a criação da Central de Outdoor.